Todo ponto de vista é apenas a vista de um determinado ponto.

terça-feira, 24 de março de 2009

A arquitetura precisa de um Carl Sagan - Parte II


Há uma semana atrás se iniciou aqui no blog uma discussão sobre o tema: divulgação de Arquitetura e Urbanismo para leigos, que acabou tendo um bom efeito, afinal foi um post bem comentado.

Porém como muito bem dito e observado pelo professor PC Lourenço, os comentários em geral e, se formos bem honestos, inclusive o próprio espírito do post, levavam a um lugar bem comum da arquitetura, já conhecidos por todos nós: a choradeira dos arquitetos, que choram, choram, e não tomam atitude alguma.

É verdade que reclamamos de tudo: de clientes burros, de executores ignorantes, de políticas injustas, do CREA inapto em nos defender, etc; mas também é verdade que não movemos o dedo mindinho para que algo mude. Logo nós, que somos o braço prático das ciências sociais.

Portanto, nessa continuação de post eu me propuz a fazer uma desconstrução analítica de todas as ferramentas usadas pelo astrônomo Carl Sagan na divulgação da Ciência e do ceticismo como método de investigação.

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Para defender o ceticismo, ou seja, a habilidade humana de duvidar e de tirar conclusões através de observações e experiências, as idéias de Sagan foram naturalmente contra outras centenas de questões pesadas como, por exemplo, a da necessidade real da existência das religiões.

Para mim essa foi sua briga mais problemática, afinal São Tomé é repreendido há mais de 2000 anos apenas por duvidar. Perto disso, malhar roceiros que acreditavam que círculos no milharal eram obras de Deuses Astronautas, videntes ou pessoas que acreditavam fazer "cirurgias espirituais" acabou sendo fichinha.

Nós também teremos nossos adversários, claro, que não veem vantagem alguma da preocupação arquitetônica com nossos espaços e nossas cidades, mas que de forma alguma devem ser encarados como invencíveis.

Mas voltando a Sagan:

Seu primeiro passo como divulgador foram as palestras. Palestras principalmente para crianças que, para o astrônomo, eram as únicas pessoas capazes de fazerem as perguntas realmente importantes. Crianças não têm medo de perguntar "por que a lua é redonda", ou "por que a grama é verde". Nós, adultos, ignorantes que somos, por não conhecermos a resposta ao invés de respondermos "bom, não faço idéia do por que do formato da lua, mas podemos pesquisar e investigar juntos", respondemos simplesmente:

"A lua é redonda porque é.O que você queria, seu retardado, que a lua fosse quadrada?"

Mas não foi só através da fala que Sagan atacou, escrevendo diversos livros que abrangem qualquer classe social, cultural ou faixa etária. Dentre suas dezenas de livros lançados, destaco 4 :





OS DRAGÕES DO EDEN (1977)

Nessa obra são combinados os campos de antropologia, biologia evolucionária, psicologia e ciencia da computação para dar uma perspectiva balanceada de como a inteligencia humana evoluiu. Sagan procura mostrar que a razão da massa cerebral sobre a massa corpórea é um indicador extremamente bom, com os humanos tendo a maior, seguidos pelos golfinhos. Ela não funciona, entretanto, na parte extremamente pequena da escala, pois um mínimo tamanho de cérebro é necessário para dar suporte à vida. Criaturas pequenas (formigas, em particular) ocupam posições desproporcionalmente altas na lista.
O livro em questão deu o prêmio Pulitzer ao astrônomo ( prêmio máximo da literatura americana).





COSMOS
(1980):

Esse livro continua até hoje sendo figurado como o livro de divulgação científica mais vendido da história e não é atoa, através de uma linguagem acessível e sem se prender a um só campo de investigação (o que eu, pessoalmente acho uma burrice incomensurável dos trabalhos acadêmicos em geral), Sagan discute de temas como Tamanho do Universo, existência de Deus até as funções do cérebro humano com total desenvoltura e desmistificação.




CONTATO (1985):

Dessa vez partindo para o romance de ficção científica, livro discorre sobre muitos do interesses do autor ao longo de sua vida, especialmente o primeiro contato com extraterrestres, sendo esse imaginado da forma mais realística e plausível já escrita nesses cem anos de literatura sci-fi.






O MUNDO ASSOMBRADO PELOS DEMÔNIOS (1996):

Nessa obra, Sagan pretende apresentar o método científico a leigos e encorajá-los a pensar de maneira crítica e cética, demonstrando métodos para distinguir ciência de pseudociência e propondo o ceticismo e o questionamento ao abordar novas ideias.

Sagan afirma que após uma análise das suposições de uma nova idéia, ela deve permanecer plausível, e então ser reconhecida como uma suposição. O pensamento cético é uma maneira de construir, entender, racionalizar e reconhecer argumentos válidos e inválidos, e prová-los de maneira independente. Ele acreditava que a razão e a lógica devem prevalecer a favor da verdade. Através desses conceitos, os benefícios do pensamento crítico e a natureza "auto-corretiva" da ciência emergiriam.

Sagan fornece uma análise cética de vários tipos de superstições, fraudes, pseudociências e crenças religiosas como deuses, bruxas, OVNIs, percepção extra-sensorial e cura pela fé.

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Percebe-se uma clara espiral ascendente do interesse de Sagan em levar cada vez mais seus assuntos para o GRANDE PÚBLICO. Um primeiro livro com um assunto um tanto hermético foi diluido para um "romance sci-fi" (dos bons, claro), e após isso verdadeiras cartilhas enciclopédias de como exercitar seu espírito científico e cético na sua forma de encarar a vida.
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Não satisfeito com essa verdadeira revolução literária, Sagan atacou em outras mídias, usando como base parte de seus livros:






COSMOS
(série de TV, 1980):

A série Cosmos é um dos mais formidáveis exemplos da amplitude e eficácia que a divulgação científica pode atingir por meios audiovisuais, quando servida por uma personalidade carismática como Carl Sagan e por meios técnicos adequados.

Filmado ao longo de três anos, em quarenta locais de doze países, o programa Cosmos abriu a janela do Universo a mais de 500 milhões de pessoas. O segredo desta série de treze horas foi o talento de comunicad de Sagan, capaz de desmistificar o que até então fora informação científica inacessível. A versão escrita deste programa continua a ser o livro de divulgação científica mais vendido da história.

No ano de seu lançamento, série levou três Emmys (prêmio máximo da TV americana)





CONTATO (filme, 1997, direção de Robert Zemeckis)

O filme é baseado num acontecimento supostamente real, chamado Projeto Contato, financiamento realizado entre os EUA e a Rússia para a construção de uma máquina cujo o projeto havia de fato vinda do espaço. Os EUA atribuíram a autoria desses sinais à Rússia, mas quando os fatos chegaram aos ouvidos dos russos, os americanos perceberam que se tratava de um sinal que não vinha do planeta Terra.

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O que dizer após essa análise minunciosa (precisava esgotar esse assunto)

Não existe atalho,

o caminho está aí.

Primeiro, Sagan escreveu livros que, por natureza, não necessitam de orçamento algum, apenas tempo hábil, força de vontade, conteúdo, caneta e papel. Só após produzir esse material que ele alcançou uma parcela de público e provou a importância a o valor de sua obra, para que essas posteriormente fossem recriadas em mídias mais elaboradas.

Mesmo alcançando a TV e Hollywood, Sagan nunca parou de escrever ou de ministrar palestras. Se ele tivesse vivo até hoje, com a internet consolidada, tenho certeza absoluta de que ele seria um usuário ativo de serviços como Blog, twitter, myspace, facebook, etc. e os transformaria em veículos extremamente eficazes de divulgação da ciência.

Sendo céticos e investigativos como ele nos ensinou, percebemos que não existe uma possibilidade real para criarmos um "ARCHITECTURE CHANNEL" amanhã, mas as ferramentas para uma revolução estão nas nossas mãos e, o melhor, a um custo zero.

Sinceramente, nossas ferramentas são muito mais interessantes, eficases, abrangentes e com um alcança infinitamente maior das que ele usou nos anos 70, e nosso assunto é muito mais acessível e paupável para as pessoas do que os que ele lidou.

Falar de uma cidade ou de uma casa é bem menos abstrato para um leigo do que a composição da atmosfera de Venus.

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Na terceira fase desse assunto, discussarei sobre o que já ou está sendo feito pela divulgação da Arquitetura e Urbanismo hoje.

Seguindo a tradição, termino esse segundo post com uma citação da esposa de Sagan, Ann Druyan, após 10 anos da morte do astrônomo, em 1996.


"É provável que, se você veio aqui para se juntar a mim em um ato de recordação neste décimo aniversário da morte de Carl, você já conheça bem as numerosas realizações científicas e culturais do homem. É provável que você saiba que ele desempenhou um papel principal na exploração de nosso sistema solar, que ele acrescentou algo a nosso conhecimento das atmosferas de Vênus, Marte e Terra, que ele abriu caminho a novos ramos de investigação científica, que ele atraiu mais pessoas ao empreendimento científico que talvez qualquer outro ser humano e que ele era um cidadão consciencioso tanto da Terra como do cosmo. Talvez você seja um de muitos que foi levemente empurrado a uma trajetória de vida diferente pela atração gravitacional de algo que ele disse ou escreveu ou sonhou. Em minha estimativa parcial, ele era uma figura histórica mundial que nos incentivou a deixar a espiritualidade geocêntrica, narcisista, “sobrenatural” de nossa infância e abraçar a vastidão — amadurecer ao tomar as revelações da revolução científica moderna de coração."


Um comentário:

Anônimo disse...

Gonçalves,

Dando sequência ao debate sobre o descaso, falta de comunicação, desinteresse, etc, sobre Arquitetura e Urbanismo, segue um fato que constata e comprova (o que não seria necessário) o que conversamos. O jornal O Globo faz anualmente a entrega do Prêmio Faz Diferença entre pessoas que se destacam em diversas áreas. Foram premiadas nesta última edição representantes do Cinema, TV, Teatro, Moda, Literatura, Música, Esporte, etc. Não, não havia nenhum representante de Arquitetura e Urbanismo premiado. Como o nome do Prêmio é bastante sugestivo, o tema Arq e Urb não Faz Diferença. Em outras palavras, não é importante!?! Onde vivemos e moramos não é importante!?! Fica a pregunta e/ou a afirmação.

Abs, PC.