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No Rio Bajo, eles pagam para ver um homem matando um boi. Hoje, eles pagarão para ver um homem matando outro homem.
Faz uma semana que sofro de insonia, evento que tem me feito dormir no máximo 4 horas por noite. Não que esteja reclamando, afinal essa condição me fez estar em dia com todas as minhas obrigações e ainda ter tempo para postar.
O único porém que me entristece é o exato momento em que, ao deitar, fico me obrigando a dormir e a não pensar em nada, o que só me faz ficar mais acordado e pensar em um monte de coisas.
Noite passada desisti de dormir e liguei a TV para ver o que estava passando. Comecei a assistir um faroeste despretenciosamente até que algo nele me interessou: renconheci Johnny Cash (sim, o cantor) e Kirk Douglas contracenando e só isso ja me fez manter o canal. Até então não fazia idéia da existência desse filme mas dei sorte de pega-lo por uma cena chave que, pela genialidade da concepção, me fez acompanha-lo:
Durante um diálogo entre Douglas e Cash, ambos discutem sobre dinheiro e oportunidades, até que o primeiro expõe uma idéia sua: promover um duelo público entre os dois pistoleiros onde seriam cobrado entradas. Cash afirma que é loucura uma vez que, ao ser descoberta a farsa, ambos seriam linchados. Nisso, Douglas questiona: farsa aonde? O duelo seria de verdade, quem vencesse ficaria com todo o dinheiro e quem morresse... bom, mortos não precisam de dinheiro algum.
Que Premissa!
Sou fã de faroeste e, há muito tempo não via uma sinopse tão perfeita, tão faroeste e ao mesmo tempo de apelo tão universal. A partir de então acompanhei o filme com gosto ...
por mais 20 minutos apenas...
que filme LIXO! Atuações péssimas, roteiro sofrível, direção horrenda, som vagabundo e cortes absurdos!
Enfim, uma porcaria inassistível.
Apesar da idéia inicial perfeita, o filme em geral era tão vagabundo que conseguiu a façanha de me dar sono. Fui dormir sem nem me interessar em quem foi o maldito que sobreviveu!
Como de praxe, no dia seguinte entrei no Rotten Tomatoes para ver qual porcentagem de aceitação da crítica que o filme tinha recebido, afinal ele podia ser uma obra prima e talvez eu estivesse louco. Não foi o caso, o filme é considerado uma tosqueira mesmo.
Premissa genial, atores fantásticos....
um roteiro mal desenvolvido e uma direção cambeta.
Aparentemente, nesse sentido de elaboração, desenvolvimento, e execução, arquitetura e cinema não ficam muito longe:
ambos precisam de guias bem estruturados (desenhos técnicos ou roteiros), sensibilidade espacial, uma boa e comunicativa equipe, um lider experiente e um objetivo final almejado.
Mas, não sei porque cargas dágua, o valor da idéia primordial, do primeiro traço é tão valorizado em nossa cultura ocidental. Digo, em termos de hierarquia. Claro que também valorizamos o desenvolvimento, mas o que é elevado à máxima potencia é sempre a premissa, o primeiro traço.
Porém, no cinema, dá para se perceber uma pequena insurreição: cada vez mais vejo exemplos onde a inexistência desse traço original não compromete a obra. Não digo também o contrário, não acho que grandes premissas necessitem ser abolidas, mas hoje quis falar sobre a inexistência do conceito.
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Filmes como Boogie Nights ou Touro Indomável onde a história é basicamente um indivíduo tentando fazer algo, sem necessidade alguma de um final surpresa, um conceito chave ou uma premissa fantástica, não impedem que a obra funcione. Aliás, fortalecem a trajetória da película nos forçando, como espectadores a nos ater, tão somente, na experiência cinematográfica.
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Paul Thomas Anderson, roteirista e diretor do já citado Boogie Nights, se desponta como grande mestre dessa vertente no cinema. Aparentemente incapaz de produzir algo ruim, Anderson cria obras em torno de indivíduos, contando suas histórias, mesmo que essas não possuam um sentido óbvio ou anedótico, sem a necessidade do emprego da catarze, em que o herói sobreviva a um momento crítico e ascenda no final. Nesse sentido Sangue Negro e Magnólia são exemplos ainda mais representativos que o Boogie Nights.
Qual é então o sentido do filme? Talvez, para Anderson, esse sentido seja mesmo o filme em si.
Ao invés de começar a trama de cima para baixo, buscando um sentido, esses diretores se preocupam com o desenvolvimento dos personagens, a objetividade de cada cena, a cadência da trilha, a exatidão dos cortes para que, a obra estando completa e absoluta, faça com que cada espectador busque, em seu íntimo, sua própria definição de conceito e "moral da história", sem que isso seja definido a priori.
E na arquitetura? Aparentemente uma revolução silenciosa está acontecendo nesse exato momento, mesmo que poucos estejam percebendo.
ps.: esse post, criado em mais uma noite de insonia, foi elaborado a partir das aulas de História da Arquitetura contemporânea, ministradas pelo professor Bruno Sarmento na faculdade CES-JF semestre passado. Na verdade, tentei pegar uma parte de sua visão sobre o atual cenário da Arquitetura Contemporânea emprestado (sem pedir, my bad) e direcionei-a para a produção cinematográfica, algo que já vinha sendo formentado desde a época das aulas e que culminou com a porcaria do faroeste assistido essa semana!
ps.: fazendo um teste com um novo cabeçalho, o que acharam?